Na doença vascular, o lema é prevenir, para não ter que remediar.
O dia oito de março, escolhido para comemorar o dia internacional da mulher mantém acesas algumas controvérsias.
Tem cabimento esta menção no século XXI? Não será ela própria um exemplo de segregação?
Na nossa opinião, a evocação desta efeméride ainda se justifica, tanto do ponto de vista legal, como cultural e social.
A mulher deve ser respeitada e dignificada, em toda a sua plenitude, como ser humano que é, e isso está ainda longe de ser uma realidade, apesar de alguns avanços.
Deve ser considerada num patamar de verdadeira equidade relativamente ao homem, e vice versa.
Mas a mulher é igual ao homem? Peremptoriamente, não.
É um ser com características próprias, umas com efeito benéfico e outras nem tanto.
Os seus parâmetros fisiológicos, citoquímicos e patológicos têm de facto perfis peculiares com algumas diferenças relativamente aos do homem.
É essa a temática que iremos abordar:
O artigo de hoje visa alertar a população para a gravidade da doença vascular especialmente nas suas vertentes cardio e cerebrovascular dadas as suas repercussões nas sociedades ditas evoluídas.
Falaremos da doença no global e de algumas facetas relativamente à sua repercussão na mulher.
Na Europa as doenças do aparelho circulatório ( doenças cardíacas e cerebrovasculares) são a principal causa de morte, representando 46% nas mulheres e 38% nos homens.
Em Portugal os números são um pouco mais baixos, mas ainda assim, significativos.
A taxa de mortalidade por doenças do aparelho circulatório na mulher situa-se nos 33%, sendo a primeira causa de morte, enquanto que no homem, a doença oncológica tomou a primazia.
A tendência das últimas décadas é um decréscimo da incidência das doenças cardio e cerebrovasculares, fruto de um trabalho no campo da prevenção.
Contudo, recentemente, especialmente no período da pandemia, essa curva atenuou-se e na faixa etária mais jovem continua a registar-se um aumento da sua ocorrência.
A doença vascular de que falamos é essencialmente a alteração morfológica e funcional das artérias, vasos que conduzem o sangue até aos diversos tecidos, nomeadamente os do coração e cérebro.
O seu dano começa logo desde a infância e vai agravando ao longo da vida sobretudo quando estão presentes os chamados fatores de risco cardiovasculares e também quando houver maior predisposição genética.
Acontece que o interior desses vasos é composto por uma camada lisa, o chamado endotélio, que quando lesado, pode conduzir a uma série de fenómenos trombóticos que levam à oclusão parcial ou total da artéria.
O mesmo pode acontecer após uma espasmo arterial, algo frequente na mulher.
Esse efeito conduz ao sofrimento ou morte dos tecidos a juzante desse vaso e por consequência à perda de funções importantes para a nossa vida.
Cada fator de risco acarreta um malefício que é potenciado por cada outro fator.
Os mais conhecidos são: hipertensão arterial, diabetes mellitus, hipercolesterolémia, tabagismo, poluição, sedentarismo , stress e alterações do sono.
Especificidades na mulher:
A- A hipertensão arterial mostrou uma correlação positiva com o risco futuro de enfarte do miocárdio mais acentuado na mulher.
B- A obesidade central , é outro fator de risco mais frequente em mulheres, sobretudo na menopausa.
C- Tabagismo – Quando a mulher fuma o risco de doença cardiovascular aumenta 25% comparativamente a homens fumadores.
D- A mulher tem ainda outros fatores relacionados com a sua condição. Assim, a hipertensão arterial no ciclo da gravidez, a diabetes gestacional, o parto prematuro, os ovários poliquísticos e as doenças inflamatórias auto-imunes relacionam –se com o aumento de risco cardiovascular a longo prazo.
Possivelmente, em parte, pelo déficite de estrogénios, hormona produzida pelos ovários. Quando em valores ideais, estes, têm um papel protetor sobre o endotélio o que confere algum benefício às mulheres em idade fértil.
Porém, esse efeito atenua-se se a mulher for diabética ou tiver outros fatores perturbadores do endotélio.
Apesar da esperança, não se identificaram benefícios inequívocos na reposição farmacológica de estrogénios no período pós menopausa.
Assim, 10 anos após o climatério o risco da mulher é equivalente ao do homem da mesma idade.
Perante o exposto anteriormente, o que podemos fazer para atrasar esta doença que mais cedo ou mais tarde fará parte da nossa existência? O nosso papel terá de ser real e efetivo.
Para isso comecemos por cumprir algumas regras que nos levarão a uma vida mais saudável.
Como prevenir?
Calcula-se que 80% doe eventos possam ser prevenidos.
- Uma alimentação saudável é fundamental- Escolher refeições equilibradas em que os legumes ocupem metade do prato, preferir carnes magras e peixes, gorduras não saturadas como o azeite, cereais integrais, frutas frescas. A confeção deverá ser simples aproveitando o benefício de cada elemento. Usar ervas aromáticas a gosto para temperar, diminuindo o teor de sal e diversificar os ingredientes.
- Deixar de fumar de forma ativa e passiva- atitude fundamental. Se precisar de ajuda solicite-a ao seu médico de família.
- Evitar o sedentarismo- praticar uma atividade física regular, a gosto- meia hora por dia pelo menos. Se estiver muito tempo inativo aconselhe-se com o seu médico na hora do recomeço.
- Evitar ambientes poluídos e temperaturas extremas , ambos nefastos para o coração.
- Consultar regularmente o médico de família para exames de rotina e eventual correção medicamentosa da diabetes mellitus, da HTA e da dislipidémia.
- Acalme-se e viva a vida com alegria. Aproveite-a.
Como remediar?
Se porventura, apesar de todas estas medidas tiver algum sintoma como dor forte no peito, abdómen, braços, dorso ou maxilar inferior; falta de ar súbita, desmaio ou cansaço extremo chame o 112. Se sentir paralisia de algum membro ou alterações na face peça ajuda- se puder, claro.
Chegar rápido é muito importante.
Porém, se os sintomas forem leves e transitórios, mas recorrentes, consulte o seu médico de família. Não se feche. Ouça os sinais do seu corpo. Esteja vigilante.
A Fundação Portuguesa de Cardiologia deseja a todos- Boa Saúde
Maria do Carmo Cachulo
Médica Cardiologista
Presidente da Delegação Centro da Fundação Portuguesa de Cardiologia
Fontes de consulta:
- Lancet, may 2021
- Saúde cardiovascular da mulher- Documento de consenso jan,2023
- Estudo INTERHEART