Era uma vez uma menina gorda que tinha tudo para ser feliz.
Chamava-se Laura e nascera, com quatro quilos e meio, na Maternidade Alfredo da Costa.
Quando as colegas da mãe a foram visitar à maternidade, ao ver a Laurinha exclamaram extasiadas: “que perfeitinha”, “ vai ser uma mulher e peras”.
A mãe, do tipo “cheiinha”, era funcionária de uma repartição. Na gravidez as análises tinham acusado um bocadinho de açúcar a mais. Mas o médico tinha garantido que não tinha importância, que passava depois do parto.
A Laurinha era um bebé que não dava trabalho a comer. Ao peito mamava quanto podia e, quando passou para as farinhas, era um gosto vê-la despejar o biberon. O médico dizia que o peso de Laurinha estava acima da média, mas que não fazia mal, porque a menina estava a crescer.
Eram todos gorditos naquela família. O pai começava a ter uma barriga avantajada, e a tensão um bocadinho alta.
“Menos sal e mais caminhadas” – dizia o médico. Mas ao ver a televisão depois de jantar, sentado no sofá lá ia uma embalagem de salgadinhos com um bagacinho a acompanhar.
Aos sábados era uma festa: iam todos ao supermercado fazer as compras da semana. A Laurinha sentava-se no carrinho e, tão inteligente, só com 3 anos já sabia onde era a prateleira das bolachas.
E o carrinho enchia, enchia, enchia de chocolates, doces, batatas fritas, refrigerantes. Era raro uma alface ou molho de brócolos. “Estragam-se muito depressa”, explicava a mãe.
Aos 10 anos a Laurinha entrou no Liceu para o segundo ciclo. E de repente deixou de ser a Laurinha e passou a ser “a Gorda”.
Não conseguia fazer amigas e os rapazes faziam troça dela.
Refugiara-se no estudo. Tinha boas médias. Criou ainda mais invejas. Passou a ser a “a Gorda marrona”.
Aguentou 2 anos. Foi para um colégio, pago a custo pelos pais. Mas a alcunha seguia-a como um restilho. Nunca conseguiu arranjar namorado.
Aos 15 deixou de estudar. O pai teve um enfarte e acabara por se reformar. A mãe começou também com o colesterol e a tensão altos. Com a crise o dinheiro já não chegava até ao fim do mês.
Aos 16 anos a Laura teve de se empregar. Arranjou um lugar de caixa no supermercado onde desde criança ia fazer as compras.
Ao princípio gostou daquela nova vida agitada. Mas depois começaram outra vez as intrigas, os mexericos. Laura tornou-se cada vez mais seca, mais áspera, mais dura.
Andava agora acima dos 90kg e a altura não chegava 1,60m. Lia nas revistas da cabeleireira que tinha de perder à volta de 30kg. Mas como conseguir com aquele apetite devorador que trazia desde criança.
Começou a suprimir refeições e por vezes fazia só uma refeição por dia. Mas nessa desforrava-se, com uma boa pizza, ou um belo hambúrguer com um bom pacote de batatas fritas e meio litro de refrigerante.
Aos 17 anos começou a notar que tinha sempre muita sede e que tinha de ir muitas vezes aos sanitários. A chefe chamou-lhe a atenção. Não podia estar sempre a abandonar a caixa – “Trata-te rapariga, podes ter aí algum problema”.
Com dificuldade lá conseguiu inscrever-se no médico da caixa. Depois teve de esperar 2 meses por uma consulta. Todas as horas estavam ocupadas pelos utentes do costume que iam todos os dias passar a tarde ao centro de saúde.
A consulta foi feita a correr e o médico limitou-se a pedir análises.
– “Vêm cá mostrar daqui a um mês. Adeusinho”.
As análises mostraram que o açúcar estava muito alto e o colesterol também, ia começar o calvário da Diabetes.
-“Vais ter que de tomar uns comprimidos e vamos ver se não temos que ir para a insulina”.
Era a “má sorte” que a perseguia desde que entrara no liceu, ou talvez mesmo antes disso.
Quando chegou aos 30, o pai já tinha falecido com um segundo enfarte e a mãe tinha tido um AVC.
“Foi da tensão alta”, disseram no hospital. Agora a mãe estava em casa, meio entrevada, e tinha de tratar dela depois do emprego.
A Laura via o seu futuro cada vez mais incerto, mais negro, mais fechado.
Com as picadas de insulina 3 vezes por dia, mais os controlos da glicémia, os remédios seus e da mãe e a higiene desta que tinha de fazer de manhã e à noite, a vida de Laura tornara-se num inferno.
Já tinha confessado a uma colega:
“Se não tivesse a minha mãe para cuidar já me tinha deitado debaixo de um comboio!”
Uma tarde, estava no caixa do supermercado, uma cliente viu-a a chorar. Ao indagar a causa de tanta tristeza, Laura contou-lhe a desgraça da sua vida, que já não aguentava mais!
A senhora era nutricionista e prometeu ajudá-la. Começou a fazer 6 refeições por dia, com fruta ou vegetais em todas elas. Deixou de comer todos os dias pizzas e hambúrgueres. Começou a ir a pé para casa para fazer exercício.
E a pouco, e pouco o peso foi baixando. No primeiro mês deste novo estilo de vida perdeu 10kg. Para perder os 10kg seguintes já foram precisos 6 meses. Mas Laura sentia-se renascer. Era mais fácil controlar a diabetes e mexia-se muito melhor. Agora com 35 anos e menos 30 kg, Laura tinha-se tornado mais bonita, mais afável, mais doce.
Numa das suas caminhadas encontrou um homem que também queria mudar de vida. Juntos construíram um novo lar.
A Laura gorda com os 90kg e uma depressão eram do passado.
Voltara a ser a Laurinha que alguém gostava de mimar.
Prof. Doutor Jacinto Gonçalves
Vice-Presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia