Esta é uma história de vida que nos chega com o intuito de ser partilhada. É-nos contada pelo A., e pela sua esposa, V., que não querem ser identificados para além disto. Apenas querem partilhar um testemunho de sobrevivência, o que lhe confere o “final feliz” que todos sempre esperamos.
A., como pediu para ser chamado, tinha 46 anos. Amante da prática de atividade física, tinha uma alimentação equilibrada e como nos relatou “não fumava, não bebia, não era sedentário, nem obeso”. Apesar disso, apresentavam-se-lhe como fatores de risco o colesterol, ainda que controlado através da medicação, a hereditariedade – os seus avós haviam sofrido de doença cardíaca –, e ainda o stress, inerente à sua profissão.
O dia 8 de setembro de 2015 começou como outro qualquer. Pela manhã, fez a sua habitual corrida junto ao rio e, como se sentia capaz, percorreu os últimos metros com maior rapidez – “nada que não estivesse habituado e com preparação física para tal”, assegura-nos. Quando terminou, junto ao Cais do Sodré, fez alongamentos e regressou a casa, tranquilamente, a pé.
Quando se preparava para ir para o trabalho, começou a sentir um mal-estar geral, suando intensamente. “Poderia ser uma qualquer crise de ansiedade” conta-nos V. a esposa, mas ainda assim decidiram ir ao hospital “pois parecia ser diferente”. A. ainda conduziu a caminho do hospital.
Quando chegaram, ainda V. fazia a admissão para a consulta, já A. tinha entrado. “Interrompeu uma consulta da urgência, o médico percebeu a emergência, enfarte agudo do miocárdio, fizeram ECG, logo a seguir a solução de cateterismo cardíaco de emergência”. Contam-nos que entre os primeiros sintomas até ao cateterismo(1) decorreram 80 minutos. Sete meses antes, A. tinha realizado uma prova de esforço, o electrocardiograma e um ecocardiograma.
O rastreio e o diagnóstico médico são fundamentais para avaliar o risco que se corre de vir a ter uma doença cardiovascular. Quanto mais precoce é o diagnóstico, maiores são as possibilidades de impedir o aparecimento ou o agravamento de doença cardiovascular. Uma particularidade dos fatores de risco é que, pior do que se adicionarem, eles potenciam-se, ou seja, agravam-se mutuamente. Segundo o Dr. Carlos Catarino, cardiologista e coordenador do Clube Rei do Coração da Fundação Portuguesa de Cardiologia, “assiste-se a grandes avanços na terapêutica da doença coronária, mas a morbilidade e mortalidade mantêm-se elevada, por isso é importante passar a mensagem de «mais vale prevenir que remediar», reforçando a necessidade de uma alimentação saudável e atividade física… o simples andar faz maravilhas ao coração”.
O texto abaixo descreve o que A. sentiu durante todo o processo, durante o seu Enfarte Agudo do Miocárdio. Hoje, um ano após o episódio marcante, A., casado e pai de três filhos, toma regularmente a sua medicação, continua a praticar atividade física de forma moderada, mas diz-nos que “agora existe a necessidade de lidar com a ansiedade…e o medo de voltar a experienciar tudo de novo! Tomamos ainda mais consciência do quanto é importante VIVER o dia de hoje, com letras grandes”.
A velocidade foi enorme. De tudo. Rápida a dor. Suada como um rio de aflições. Rápido o enfraquecer. E tão baço! Tão sujo e perdido o olhar enquanto varria um espaço cada vez mais de coisa nenhuma. Veloz a consciência do estar a acontecer. Célere a decisão: temos de ir. Inconsciente mas pronta a ação de resolver. De ter de encontrar solução sem dependência. E já tudo turvo. Já tudo muito no vazio apenas centrado no caminho. A certeza de ter de avançar ultrapassando barreiras físicas e humanas. Ganhar-lhes espaço e tempo. Chegar mais perto. Chegar lá. Ainda! O rosto branco refletindo todas as cores do mundo na sua ausência de cor. A rapidez da pergunta num sussurro nada contido e desenhado a traços de dor. O esgar de surpresa, a rapidez da avaliação, o imediato pedido: comprimidos, ecg, análises! 30 segundos. A pergunta. A resposta. Sim. Dá autorização? Toda. Para o que for necessário. Chamem cardiologia. Tudo urgente; tudo contra um tempo que passava rápido demais… tudo a acontecer! Mesmo tudo. Até a dor. Até a morte a aparecer devagarinho. Equipa pronta. Muitos. Alinhados na competência e no rigor da urgência. Seguros na execução e calmos na mensagem. A única nota calma. Tudo foi rápido. Os cortes, o descobrir, o abrir da porta que teimava em não deixar que o circuito se completasse. E o corpo tremia. Muito. Muito. Mesmo. Como nunca até aí. Do frio e da ansiedade dizem os especialistas. Talvez para afastar coisas más. Fazê-las largar o que não era delas. Nem seria. Silêncio. Conversa. Sorrisos. Recomendações. Tudo rápido. Até os olhos de água quando o filme acabou. Talvez em aplauso pelo sucesso; talvez os especialistas tivessem razão e quem sabe fosse também frio e ansiedade. Ou medo. Do que aconteceu e da incerteza do momento a seguir. E tudo tão rápido. Tão rápido.